sábado, 19 de fevereiro de 2011

Os quadros da parede do meu sonho

Uma das tônicas deste projeto é o intertexto e sua consequente capacidade de relacionar leituras, de fomentar uma proposta de arte que se encaminhe para o lado de fora - e é isso que procura evidenciar esta segunda série.
Aqui, decidimos (não tão deliberadamente, que é importante respeitar a visita do acaso) mais que promover diálogos entre composições de foto/poesia. De fato, grandes nomes da pintura nos agraciaram com telas paradigmáticas, que servem como pano de fundo para o nosso percurso criativo.
'O jardim', do catalão Joan Miró, transpassa nossa primeira composição. Em suas formas e cores, Miró nos revela o inusitado, o alegre e imprevisível das cenas cotidianas - depois da tela não há jardim que permaneça o mesmo. Assim, a composição se constitui não como imitação da realidade, mas como interpretação dela (a gota revelaria um pricípio ou um fim de chuva? E que chuva, então, seria essa, aquela que promove enchentes e deslizamentos nas grandes cidades, ou a chuva que inunda os seres de vida, carregada das propriedades curativas e purificadoras da água?).

Doravante, o olhar proposto por Miró se personifica na figura do aluno, que carrega em si a razão de ser do trabalho de seu professor. Pelos olhos do estudante, a realidade, mesmo em toda a sua aridez, ganha tons de expectativa, de revigorante incerteza, e assume a forma dos sonhos nela depositados.

Caminhando pelas horas, encontramos a imagem que se revela no asfalto, pintada num espelho d'água, sob a sombra de 'Noite Estrelada', de Van Gogh. No quadro, o céu confundido em ondas de mar bravio, feito tempestade que há de chegar, relativiza o tempo - uma pintura, por excelência, não deveria retratar um momento exato? Como então essa sensação do devir, da tempestade que não chegou, mas que virá?

Assim, quadro e fotografia advertem, aquilo que soa como distorção da realidade, por conseguinte, como fuga, pode ser, de fato, apenas uma forma de evidenciar aspectos justamente do mundo real - o real de quem vê.
Por outro lado, vemos a formação da paisagem urbana (um pintar de cores no asfalto) que vem acompanhada das dicotomias da cidade: individual e coletivo (gota e poça d'água) violentam-se, concorrem no mesmo ser, no mesmo universo.

O poema, por sua vez, evidencia o óbvio: aquele que vê o trabalho do artista não sabe das coisas do artista, das 'distorções' por ele vistas na realidade e que possibilitaram uma espécie de reorganização do mundo a olhos vistos. Nem precisa, está-se diante do belo - absolutamente atemporal.

E se o caso é falar de distorções, das releituras e do belo, um fechamento propício é o delicado 'Pessoa à janela', de Salvador Dali, que conversa com nossa última composição.
No quadro, uma moça vê o mundo por uma janela. Se admira, se sonha, se chora, não se sabe. Vemos apenas a moça, sua janela e o mundo lá de fora em sua beleza - imagem de aprisionameto ou liberdade?

Sob o olhar do fotógrafo, a paisagem bucólica tansmuta-se em edifícios que servem tanto como impedimento da percepção quanto como evidência da existência do arco-íris. Agora já não temos uma moça exata, mas qualquer observadora do alto de sua janela, de seu 'buraco no concreto'.

Aqui, o mesmo arco-íris pode revelar sentimentos dúbios: o belo que se mostra na paisagem fria e cinza da cidade é ao mesmo tempo a marca do impossível, daquilo que jamais será alcançado.

Sonhar 'o mundo que os olhos alcançam' é o que resta aos viventes dos grandes centros, pois o mito, o fictício e o lúdico já não encontram seu lugar por entre as filas dos bancos, a mega lotação dos ônibus, o aumento do preço das passagens. Entretanto, de que maneira há de se encarar os sinais de boniteza que se oferecem a cada um de nós? Mais, estaríamos nós ainda dispostos a enxergar esses sinais, a transformar o acinzentado da vida na realidade que queremos?
fernando diegues
victor valente

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